Ajoelhado diante de um juiz de turbante na minúscula sala do Tribunal de Apelação de Ghazni, no leste do Afeganistão, um homem idoso condenado à morte por assassinato implora por sua vida.
O homem de 75 anos admite que atirou e matou um parente como vingança por rumores de que ele havia feito sexo com sua nora. “Fizemos as pazes entre as famílias”, ele afirma. “Tenho testemunhas que podem provar que concordamos com uma indenização”, acrescenta.
No entanto, sob as punições estipuladas pela sharia, que segue o princípio do olho por olho, o homem enfrenta uma execução pública pelas mãos de um parente da vítima.
A AFP pôde acompanhar em um tribunal de Ghazni como a justiça islâmica é administrada, depois que o líder talibã Hibatullah Akhundzada ordenou no mês passado a implementação dessas punições.
Após a queda do primeiro regime talibã em 2001, centenas de milhões de dólares foram investidos para construir um novo sistema judicial, que misturasse a lei islâmica e a secular.
Promotores, advogados e juízes qualificados ingressaram no judiciário, juntamente com inúmeras mulheres, que levaram mais igualdade de gênero aos tribunais de família.
Mas tudo isso desmoronou com o retorno do Talibã em agosto de 2021, que voltou a impor um sistema supervisionado por clérigos.
A lei islâmica, a sharia, é um modelo de comportamento seguido por muçulmanos em todo o mundo, que oferece conselhos sobre questões como modéstia, finanças ou crime.
No entanto, o Talibã afegão aplica uma de suas interpretações mais extremas, que inclui a pena de morte e castigos físicos pouco comuns em outros países muçulmanos.
A diferença entre o sistema anterior e o atual “é tão grande quanto entre a terra e o céu”, diz Mohiuddin Umari, chefe do tribunal de Ghazni.
“Deus nos guia”
As autoridades realizam suas audiências em uma pequena sala adjacente, com os participantes sentados em um tapete.
O jovem juiz, Mohammad Mobin, de 34 anos, escuta impassível antes de lançar suas perguntas.
Após ouvir as súplicas, o juiz convoca uma nova audiência em alguns dias para dar tempo ao réu de reunir testemunhas para corroborar sua versão.
“Se ele provar, o julgamento pode ser revisto”, diz Mohammad Mobin. Caso contrário, “é certo que o ‘qisas‘ (o princípio islâmico do olho por olho) consagrado na sharia será aplicado”.
Uma dúzia de sentenças de morte foram proferidas na província desde o retorno do Talibã ao poder, mas nenhuma foi executada até agora, disse Mobin.
Se o homem idoso perder o recurso, o caso irá para o Tribunal Superior de Cabul e, finalmente, para o líder supremo Akhundzada, que ratifica todas as sentenças de morte.
Isso ocorreu no início de dezembro na cidade ocidental de Farah, onde o Talibã realizou sua primeira execução pública de seu segundo regime.
“Transparência”
O oficial de justiça de Ghazni, Umari, diz que a sharia é melhor que o sistema anterior e defende a “transparência” da nova administração. De fato, muitos preferem a sharia em casos civis porque a consideram menos propensa à corrupção.
No entanto, os juristas argumentam que os casos criminais são mais propensos a errar sob a sharia.
“Alguns casos, se forem resolvidos rapidamente, são melhores”, diz um ex-promotor, que pediu anonimato. “Mas, na maioria das vezes, a velocidade leva a decisões precipitadas”, acrescenta.
Umari garante que todos os veredictos são revisados minuciosamente e que “se um juiz está errado, ele é investigado”.
Mas o idoso de Ghazni afirma que não teve acesso um advogado durante o julgamento do recurso, que durou menos de 15 minutos.