Empresário que entrou tarde na política, inimigo da elite governante e grande comunicador, o ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, que faleceu aos 86 anos na segunda-feira (12), abriu o caminho para os populistas de direita.
“Ele é o primeiro. Ele inventou tudo”, resume John Foot, professor de História Contemporânea da Itália na Universidade de Bristol, na Inglaterra.
“Não tinha partido, tudo girava em torno dele, sua vida, seu sucesso como empresário, os slogans simples, o uso da televisão. Todos os artifícios que outros populistas copiariam”, de Donald Trump a Nigel Farage, de Viktor Orban a Jair Bolsonaro , acrescenta o pesquisador.
Berlusconi, que teve sua sorte no setor de construção civil e depois com empresas de comunicação, disputou as eleições legislativas pela primeira vez em 1994.
Em um vídeo, ele citou o que atualmente constitui as bases da retórica de qualquer populista estreante.
“O país que, legitimamente, desconfia dos profetas e salvadores precisa de pessoas que tenham a cabeça no lugar correto (…) homens novos contra os órfãos do comunismo, corruptos, ultrapassados”, disse.
Ele também afirmou que seria o “primeiro-ministro operário”, que acabaria com “uma política de tagarelice incompreensível, de disputas estúpidas e de políticos sem uma verdadeira profissão”.
O “timing” de Berlusconi foi impecável, ao entrar na disputa eleitoral no meio da “Mãos Limpas”, uma vasta operação de combate à corrupção iniciada em 1992 que decapitou a classe política italiana.
E pouco importa se, uma vez no poder, ele se protegeu de vários processos com mudanças na legislação sobre a corrupção e crimes financeiros, além dos prazos de prescrição.
“Um de vocês”
Para muitos italianos, Berlusconi representa o cidadão “comum”.
Eles consideram que pagam muitos impostos para um Estado rico, enquanto enfrentam problemas para chegar ao fim do mês. Foi a esta parte da população que Berlusconi justificou o corte de verbas públicas para pesquisa, com a pergunta: “Por que devemos pagar um cientista se fabricamos os melhores sapatos do mundo?”.
“Berlusconi conta a história do ‘self-made man’, capaz de prescindir do Estado, graças a uma ‘revolução liberal’ que permitirá a todos os italianos que desejarem se tornarem executivos”, analisa a filósofa Anna Bonalume, autora do ensaio “Um mês com um populista” sobre Matteo Salvini.
“Esta promessa — ‘eu sou um de vocês, você pode virar o que eu sou’ — é a essência do populismo”, resume a autora.
Um homem sozinho diante das elites para defender o povo, uma fortuna acumulada apesar das dificuldades criadas pelo Estado, uma linguagem sempre acessível e muitas vezes trivial, uma relação especial com as mulheres e os meios de comunicação sob suas ordens. “O trumpismo tem a marca do berlusconismo”, destaca nesta terça-feira o jornal ‘La Repubblica’, com a manchete: “O primeiro populista”.
“Trump, 30 anos antes”
“Berlusconi é Trump 30 anos antes”, afirma Daniele Albertazzi, professora de Ciência Política na universidade inglesa de Surrey.
De acordo com Albertazzi, a mensagem era a mesma: “A elite política enganou vocês, mas eu estou aqui, ganhei bilhões, graças a minha inteligência, meu trabalho duro. E quero fazer pelo país o que fiz por mim”.
E como e ex-presidente americano, Berlusconi se apresentou como vítima para justificar os problemas políticos, ou judicial.
“Vítima dos juízes, do sistema político, do ‘estabelecimento’, dos árbitros”, afirma John Foot.
Mas existia uma diferença notável entre os dois: o italiano “não queria mudar a política por motivos ideológicos, tratava-se apenas dele e de seus interesses comerciais”.
Isto nunca o impediu de usar a religião — uma característica marcante das ideologias populistas da direita dos dois lados do Atlântico.
Uma posição surpreendente, de acordo com Daniele Albertazzi, considerando “as relações extraconjugais de Silvio Berlusconi, incluindo pessoas muito jovens quando ele já tinha mais de 80 anos”.
Trump e Berlusconi também compartilhavam o uso de linguagem ofensiva, que, para eles, é algo do “povo”.
Trump disse que quando você é famoso pode “agarrar (as mulheres) pela b*****”, enquanto Berlusconi prometeu aos jogadores do Monza, clube do qual era proprietário, um “ônibus de prostitutas” em caso de vitória.
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