Escalar o Everest é sempre perigoso, mas os guias nepaleses alertam que alpinistas estrangeiros sem experiência nem paciência, cortes de segurança e o clima extremo tornaram a temporada de 2023 “especialmente letal” — até o momento, 12 pessoas morreram e outras cinco estão desaparecidas.
— Esta temporada tem sido muito ruim no geral — diz Mingma Gyalje Sherpa, organizador da Imagine Nepal Trek and Expedition, cuja equipe foi encarregada de abrir a rota para o cume. — O principal motivo é que o tempo estava extremamente frio, mas também houve descuido.
As últimas temporadas registraram um alto número de mortes, mas várias ocorreram em um único e grave desastre. Por exemplo, em 2014, 16 guias nepaleses foram mortos por uma avalanche que fechou o acesso ao cume de 8.849 metros. A pior estatística foi em 2015, quando pelo menos 18 pessoas morreram em um terremoto que fez quase 9 mil vítimas em todo o país
Entre as 17 pessoas que morreram o estão desaparecidas nesta temporada, dez são estrangeiras — o pior número já registrado. Há também sete nepaleses entre as vítimas, sendo guias, funcionários de uma empresa de montanhismo e um alpinista.
Cerca de cinco alpinistas morrem a cada ano a caminho do ponto mais alto do planeta. Alguns argumentam que muitos alpinistas estrangeiros não estão preparados para aquele que é um dos maiores desafios para o corpo e a mente.
Recorde de alpinistas e frio ‘congelante’
O Nepal emitiu um recorde de 478 licenças para alpinistas estrangeiros nesta temporada, com um total de 600 alpinistas e guias chegando ao cume, o que gerou pedidos para que o país limitasse o fluxo.
Os guias mais experientes garantem que nunca tinham passado tanto frio na serra, com temperaturas geladas mais baixas do que o habitual, o que elevou os riscos da expedição.
— Deve estar mais quente agora, em torno de -28ºC — diz Mingma Gyalje Sherpa. — Este ano chegou até a -40ºC.
A mudança climática alterou drasticamente os padrões climáticos e causou flutuações extremas de temperatura.
Três dos companheiros de Mingma Gyalje Sherpa que lideraram uma expedição até o cume morreram depois de carregarem as cordas para o Acampamento Base 2. Um bloco de gelo caiu sobre eles na geleira Khumbu.
À medida que a temporada avançava, mais alpinistas morreram ou desapareceram. Outros sofreram queimaduras de frio e infecções relacionadas a um “edema pulmonar de altitude”, que ocorre quando o líquido se acumula nos espaços aéreos dos pulmões.
Mingma Gyalje Sherpa explica que o clima gelado e o vento forte fizeram com que muitos guias e carregadores congelassem no início da temporada.
— O Campo 4 não estava suficientemente preparado e nem todos os mantimentos chegaram lá (…) Mas os clientes estavam impacientes e começou a escalada — explica. — Acho que o caso de algumas das vítimas poderia ter sido evitado se todos os suprimentos tivessem chegado.
O rápido crescimento da indústria criou uma competição acirrada entre as empresas, o que também aumenta o medo de que algumas cortem os orçamentos de segurança para reduzir seus preços.
Lukas Furtenbach, da empresa austríaca Furtenbach Adventures, diz que a maioria das mortes poderia ter sido evitada “com padrões de segurança obrigatórios”.
— Todos esses acidentes têm um padrão semelhante — diz ele. — Isto, combinado com o fato de terem sido roubadas garrafas de oxigênio de várias equipes, incluindo a nossa, demonstra os principais problemas desta temporada: logística de oxigênio e regulamentação de segurança.
Muitos alpinistas desistiram, perdendo até mesmo a licença não reembolsável de milhares de dólares para a expedição.
— Isso afetou a confiança das pessoas. Quando você vê pessoas adoecendo, tendo que ser resgatadas ou cadáveres sendo evacuados, até o montanhista mais apto tem dúvidas — diz Dawa Steven Sherpa, do organizador da expedição Asian Trekking.
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