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Rota do naufrágio na Grécia registra, em cinco meses, o dobro de entradas ilegais de 2022

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A perigosa rota feita pela embarcação que naufragou na Grécia com centenas de imigrantes na quarta-feira (14) registrou, nos cincos primeiros meses de 2023, mais que o dobro de entradas ilegais na União Europeia (UE) que o mesmo período no ano passado, afirma um relatório da Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex) divulgado nesta sexta-feira (16).

Apesar dos riscos da travessia, considerada a mais mortal do mundo, o trecho é a principal porta de entrada para pessoas com a esperança de recomeçar suas vidas no continente.


As águas do Mar Mediterrâneo Central foram o cenário do desastre que chocou o mundo nesta semana: um barco de pesca, que saiu da cidade líbia de Tobruk rumo à Itália, afundou a 80 km da cidade grega de Pylos, deixando 78 mortos e 500 desaparecidos, segundo as Nações Unidas. Apenas 104 pessoas, todos homens entre 16 e 40 anos, se salvaram. Segundo relatos, 100 mulheres e crianças estavam presas no porão no momento do naufrágio. Autoridades investigam o envolvimento de redes de tráfico humano na embarcação. Nove suspeitos, apontados por um grupo de resgatados, estão sob custódia da polícia grega.


Tragédias assim estão longe de ser uma exceção no Mediterrâneo. Desde 2014, mais de 27 mil pessoas morreram e desapareceram fazendo a travessia pelo mar separa a Europa da África — 21 mil delas apenas na parte onde ocorreu o naufrágio, afirma a Organização Internacional para as Migrações (OIM). Afogamentos foram a causa da fatalidade em 25 mil casos.


O aumento no fluxo migratório no trecho foi o grande responsável pela elevação em 12% no número de entradas irregulares na UE neste ano, num momento em que todas as demais rotas migratórias apresentaram queda. Entre janeiro e maio de 2023, das 102 mil travessias no continente, mais de 50 mil foram pelo Mediterrâneo Central.




As buscas por sobreviventes do naufrágio continuam até esta sexta-feira, mas a expectativa de encontrar pessoas com vida é mínima, uma vez que a tragédia aconteceu na parte mais profunda do Mar Mediterrâneo, conhecida como Trincheira de Calypso.


‘Túmulo aquático’

Para muitos, o naufrágio na Grécia é um símbolo do fracasso da política europeia. Na quinta-feira, milhares de pessoas se manifestaram ao redor do país contra a forma como a UE tem lidado com a questão migratória, alguns queimando bandeiras do bloco.


— A política que a Europa tem seguido é a grande culpada — disse Alexis Tsipras, principal líder da oposição da Grécia. — É uma política que transformou o Mediterrâneo em um túmulo aquático.


Judith Sunderland, diretora-adjunta para a África e Ásia Central da Human Rights Watch (HRW), atribui a extensão da tragédia também à postura dos países europeus na condução dos trabalhos de resgate nas suas fronteiras marítimas.


— Há muitas perguntas sendo feitas sobre a falta de resposta em tempo hábil da Guarda Costeira grega, mas isso remete a uma questão mais ampla sobre como os países europeus têm se responsabilizado pelas buscas no Mediterrâneo Central — disse ao Globo. — É pela forma que isso é tratado que, infelizmente, a Europa sempre foi um cemitério de migrantes e refugiados.


O naufrágio é a pior tragédia marítima na Grécia desde 2016, quando 320 migrantes morreram e desapareceram perto da ilha de Creta.


As chances de encontrar sobreviventes, mesmo mínimas, são suficientes para mobilizar familiares que aguardam por respostas na cidade portuária de Kamalata, centro das operações de busca e resgate. Segundo as autoridades, a maioria dos passageiros eram do Egito, Síria, Paquistão e Afeganistão.


— Estamos ouvindo que centenas de pessoas estavam no navio — disse o sírio Hamza Ayash, cujo irmão está desaparecido após seguir viagem no barco, ao The Guardian. — Onde elas estão? Estamos começando a perder a esperança — questionou ao lado do amigo Abo Zeed, que também aguarda por informações da esposa.


De acordo com o ministro interino da Proteção Civil da Grécia, Vangelis Tournas, prestar auxílio “foi difícil porque o barco estava em águas internacionais”. Segundo ele, a buscas estão sendo feito com uma fragata, navios da Guarda Costeira, três helicópteros militares e barcos mercantes que vasculham a região, na Península do Peloponeso.


Efeitos políticos

O desastre aconteceu há menos de duas semanas das eleições parlamentares na Grécia, previstas para 25 de junho. O governo interino decretou três dias de luto e suspendeu a campanha, mas a revolta da população pode ter repercussões no pleito. O primeiro-ministro Kyriákos Mitsotákis é um dos principais responsáveis pelo endurecimento das políticas migratórias no país a partir de 2019, quando assumiu o poder.


Em 2020, a Comissão Europeia chegou a enviar aportes de 700 milhões de euros (R$ 3,6 bilhões) à Grécia — metade para a infraestrutura das suas fronteiras — por ter se tornado um “escudo” para a Europa.


— Essa fronteira não é apenas uma fronteira grega, é também uma fronteira europeia. Agradeço à Grécia por ser o nosso escudo europeu nestes tempos — declarou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na ocasião.


O bloco europeu culpou as “redes criminosas” pelo naufrágio, embora, para especialistas, ele tenha sido um sintoma da política migratória da UE. Poucos dias antes da tragédia, uma reunião entre os ministros do Interior da União Europeia discutiu uma reforma no sistema de asilo.


— Quando os governos tentam fechar uma rota de migração, outra se abre, geralmente por contrabandistas. A nova rota é mais perigosa e mais cara para as pessoas — explica Sunderland. — Quando os parlamentares europeus falam sobre todas essas medidas [migratórias], não têm nada a ver com minar as redes criminosas. A melhor maneira de realmente lidar com o problema é tirar o negócio dos contrabandistas oferecendo canais mais seguros e legais para que as pessoas obtenham vistos para viajar com segurança aos países da União Europeia.


Segundo Abo Zeed, sua esposa, uma das desaparecidas do naufrágio, percorreu uma longa jornada até chegar ao barco.


— Minha esposa Esra tem 21 anos. Ela viajou com seu irmão mais novo, Abdullah, atravessando da Síria para a Jordânia e depois para o Egito e a Líbia — disse Zeed, que também enfrentou os obstáculos da migração até a Alemanha, onde vive hoje.


— Eles pagaram US$ 4.500 (R$ 21 mil) cada um pela passagem — relatou Ayash. — Só queremos saber o que aconteceu com eles. E se eles estiverem mortos, como muçulmanos, queremos enterrá-los.

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