As Forças Armadas do Peru, antes envolvidas em golpes de Estado ou base de apoio de regimes autoritários, “aprenderam a lição” e foram fundamentais para frustrar a tentativa de golpe de Pedro Castillo, ao negar-lhe apoio, apontaram analistas.
Os militares “optaram por preservar a pouca institucionalidade e não provocar mais caos”, comentou o cientista político Alonso Cárdenas, lembrando que se recusaram em 2020 a reprimir os manifestantes contra o governo de Manuel Merino.
Essa postura, destacou Cárdenas, da London School of Economists, contrasta com os momentos em que os militares peruanos se envolveram em golpes de Estado e violações de direitos humanos.
“Os militares devem lealdade à Constituição, não aos governos. Foi a Constituição que eles juraram defender. Pela análise da situação, já sabiam o que tinham que fazer”, concordou Carlos Fernández Fontenoy, doutor em Ciência Política.
Para Fernández Fontenoy, as Forças Armadas tiveram uma atuação constitucionalista após o desprestígio em que caíram no governo de Alberto Fujimori (1990-2000), quando eram o apoio de um regime autoritário.
Na última quarta-feira, depois que Castillo anunciou a dissolução do Parlamento e este respondeu votando pela sua destituição, que se concretizou, muitos olhares se voltaram para os militares como árbitros em meio ao choque de poderes. “Qualquer ato contrário à ordem constitucional estabelecida constitui uma violação da Constituição”, afirmaram as instituições militares.
‘Série da Netflix’
A leitura de que não havia fatores que justificassem legalmente o fechamento do Congresso foi compartilhada pelo Tribunal Constitucional e por vários atores políticos, incluindo ministros que optaram por renunciar.
O general reformado Guillermo Bobbio, último ministro da Defesa de Castillo, disse que nem ele, nem os militares, foram consultados pelo presidente antes de seu anúncio.”Não houve coordenação com ninguém, foi como uma série da Netflix com uma pitada de surrealismo”, disse em entrevista ao jornal “La República”.
No entanto, horas antes do anúncio, o então ministro da Defesa, Daniel Barragán, e o comandante do Exército, Walter Córdova, renunciaram, alimentando especulações de que poderia ter havido algum tipo de contato não institucional.
Em 1992, quando Fujimori realizou um golpe semelhante ao tentado por Castillo, as Forças Armadas foram protagonistas e colocaram tanques nas ruas para dissuadir os manifestantes. Com a queda do governo Fujimori, vários comandantes militares acabaram na prisão e foram processados por diversos crimes.
O chefe do Congresso, José Williams, destacou a atitude das Forças Armadas: “Acho que elas deram uma demonstração valiosa de institucionalidade e respeitaram o artigo 169 da Constituição, que diz que nem as Forças Armadas, nem a Polícia, são deliberativas, e estão sujeitas ao poder constitucional”, declarou à rádio RPP neste sábado. “Quando ocorreu esse infeliz acontecimento (golpe de Estado) e entrou um usurpador, entenderam que a Constituição havia sido violada.”
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