Um mapeamento realizado pela Kaya Mind, empresa brasileira especializada em dados e inteligência de mercado no segmento da cannabis, do cânhamo e de seus periféricos, aponta que há cerca de 229 produtos à base de cannabis disponíveis no mercado e que podem ser consumidos por pets.
O relatório “Cannabis no Mercado Pet”, lançado em julho deste ano, mostra que os produtos são de 36 fabricantes oriundas de quatro países diferentes e que a maioria, o equivalente a 58,9%, é à base de cânhamo e voltada para cachorros, espécie mais pesquisada nos estudos científicos.
Os dados mostram ainda que 16 das 36 fabricantes trabalham exclusivamente com o mercado de cannabis para pets, o que representa 44% do total. As outras 20 marcas vendem produtos para humanos e dispõem de uma linha pet, ou de algum produto voltado para animais. Em números, estas representam 56% do total.
Uma dessas empresas é a startup brasileira Biocase, produtora de óleos, cremes e sprays à base de cannabis destinados tanto para humanos, quanto para pets. O diretor geral da empresa, Sergio Luiz Fadul, explica que as doenças e condições que “comprovadamente melhoram com o uso de cannabis” são diversas.
“Quando falamos de pets, podemos perceber que mamíferos, aves e répteis têm o mesmo mecanismo de receptores canabinóides no sistema nervoso, e em outros órgãos, assim como os humanos têm, e, por consequência, geram efeitos bem parecidos. Com isso, os canabinóides, entre eles o CBD, funcionam também para cães, gato, bovinos, caprinos e equinos”, afirma.
A médica-veterinária especializada em fisioterapia animal e colaboradora do ambulatório de dor e cuidados paliativos da Universidade de São Paulo (USP), Maira Formenton, corrobora com a afirmação do executivo. Para a especialista, as principais indicações do uso dessas medicações aos animais são para dores crônicas.
“Osteoartrite, controle de dor e redução do uso de opioides [analgésicos e sedativos potentes] em animais com câncer, dores neuropáticas, controle dos sinais secundários à quimioterapia, como enjoos e náuseas, entre outros casos”, explica.
Contudo, a médica alerta que os estudos clínicos sobre os impactos dessas medicações nos animais ainda não são tão avançados quanto a aplicação em seres humanos.
“Em humanos, as pesquisas estão mais avançadas, mas para os animais ainda faltam ensaios clínicos para entender de fato em quais doenças o uso da medicação será mais efetivo. Existem estudos sobre, principalmente, os impactos da medicação à base de canabidiol em dores articulares crônicas, convulsão e epilepsia em cães, mas ainda é preciso entender os impactos em doenças específicas de pets, como a cinomose”, diz.
Medicação ainda não é regulamentada no Brasil
Após uma repercussão negativa, o Conselho Federal de Medicina (CFM) suspendeu no mês passado uma resolução que restringia o uso de remédios à base de canabidiol no Brasil para o tratamento de quadros de epilepsia infantojuvenil, que determinou o uso somente quando o paciente não respondesse bem a outros tratamentos. Com a suspensão da resolução, ficou a cargo de cada médico recomendar o tratamento.
No que tange ao uso em animais, segundo a médica-veterinária Maira Formenton, a utilização ainda não está regulamentada no País, o que ela considera prejudicial para o quadro de saúde de pets com doenças crônicas.
“O impacto desta falta de regulamentação é que, em busca de um tratamento alternativo para doenças severas, os tutores acabam buscando medicações clandestinas, e isso gera a falta de padronização, como pessoas que produzem as medicações de forma caseira, ou em doses equivocadas”, explica a médica, que afirma ainda que esse cenário expõe os animais a efeitos colaterais como quadros de intoxicação ou o não resultado esperado pelo manuseio do medicamento da forma errada.
A cofundadora e CEO da Kaya Mind, Maria Eugenia Riscala, explica que existe um Projeto de Lei (PL), de número 369/2021, que “visa viabilizar essa aplicação” [a de permitir a utilização dos medicamentos à base de cannabis em animais]. O autor do projeto, o deputado João Carlos Bacelar Batista (PV), argumenta em trecho da justificativa:
“[…] Tem sido crescente o emprego de produtos de cannabis na Medicina Veterinária, apesar da insegurança jurídica sobre a possibilidade de sua prescrição por médicos-veterinários […] percebe-se a urgente necessidade de se regular o setor, a fim de que as prescrições e o uso sejam claramente amparados pela legislação e se incentivem os estudos e a disponibilização no mercado brasileiros de medicamentos de cannabis mais eficientes, seguros e de qualidade.”
Preconceito também representa um entrave
Para Maria Eugenia Riscala, além da falta de regulamentação específica para pets, o preconceito com o uso da cannabis é outro entrave que dificulta o progresso da prescrição da medicação.
“O preconceito prejudica a credibilidade das informações, e, consequentemente, a adesão ao tratamento. Há pouca informação, por exemplo, sobre o fato de que os animais também têm sistema endocanabinoide [regulador e equilibrador de uma série de processos fisiológicos do corpo humano], assim como os seres humanos, e, portanto, podem ser beneficiados pelo tratamento da cannabis”, afirma.
Para o diretor geral da Biocase, o preconceito não parte apenas dos tutores dos pets, mas também dos profissionais de saúde que, por não conhecerem os medicamentos e não saberem prescrever, acabam não indicando o uso.
“É preciso um trabalho constante de educação desses profissionais para aumentar a base de conhecimento e de prescritores. O custo dos medicamentos à base de cannabis, imaginamos que seja outro entrave para a sua democratização de uso, assim como as regras rígidas que ainda temos para a venda dos produtos em território brasileiro”, diz.
Já para a Farmácia de Manipulação Veterinária DrogaVET, os médicos-veterinários têm se atualizado sobre o tema, mesmo com mais dificuldades no solo brasileiro, diferente do cenário internacional. A empresa ainda salienta que a manipulação facilita a aplicação correta do medicamento, em especial os de cannabis que precisam ter uma atenção redobrada sobre a dosagem.
“Como trabalhamos com medicamentos manipulados, poderemos oferecer o medicamento exatamente na dose necessária para cada pet, conforme seu peso e patologia a ser tratada, o que permite ainda maior segurança no tratamento. Além disso, os medicamentos podem ser manipulados em formas farmacêuticas e com flavorizantes que agradam aos pets, o que facilita a administração, fator relevante principalmente para medicamentos de uso contínuo, que podem estressar os pets”, afirmou a Farmácia em nota à reportagem.
Investimento
Segundo o mapeamento realizado pela Kaya Mind, o investimento nesse tipo de tratamento pode variar de acordo com o tamanho e espécie do animal. O preço médio de produtos para cães custa cerca de R$ 164,49 – para porte pequeno -; cerca de R$ 212,35 – porte médio -; e R$ 364,40 – para porte grande.
Já para felinos, o valor se aproxima de R$ 187,21 – nesse caso, o preço não é calculado por porte, pois a variedade de porte entre os gatos é menos discrepante, o que não causa uma diferença relevante entre a média de preços por miligrama dos produtos indicados.
O estudo também aponta especificidades como os sabores que predominam nesses produtos, sendo eles natural, bacon e frango. Essa é uma informação relevante, uma vez que muitos animais têm a necessidade de ingerir produtos mais palatáveis, considerando suas dificuldades em consumi-los e dos tutores de administrá-los.
A quantidade de produtos listados, 239, não representa o universo total dos itens existentes, mas, sim, daqueles mapeados pela startup. Além disso, nem todos os insumos analisados estão disponíveis para compra no Brasil e não podem ser acessados legalmente no País, pois as regulamentações em vigor (RDC 327 e 660) não contemplam o uso veterinário.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autoriza a importação de produtos à base de cannabis por meio de receituário médico. Em 2019, a agência regulamentou a pesquisa, produção e venda de remédios no país por parte da indústria farmacêutica, embora as plantas ainda precisem ser importadas, o que torna os remédios menos acessíveis.
Fonte: Canal do Pet, adaptado pela equipe Cães&Gatos VET FOOD.
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