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Faltam peritos médicos-veterinários em São Paulo

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Conforme consta no art. 159 do Código de Processo Penal (CPP), o perito criminal oficial deve ser portador de diploma de nível superior, o que torna qualquer médico-veterinário apto ao cargo. Bruno Lazzari de Lima, perito criminal oficial médico-veterinário e membro da Comissão de Medicina Veterinária Forense do Instituto de Criminalística de São Paulo (IC-SP) e membro da Comissão Técnica de Medicina Veterinária Legal do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP), explica que, além do desejo de atuar na área, para o profissional tornar-se perito criminal ou oficial, deve prestar e ser aprovado em concurso público, por se tratar de uma carreira de estado, e, em seguida, concluir seis meses de curso na Academia de Polícia.

“Com o diploma de conclusão no curso de formação da Academia de Polícia, o médico-veterinário se torna um perito criminal, o que permite a ele atuar em qualquer tipo de crime, independente da sua formação original. Tenho colegas médicos-veterinários que trabalham na equipe do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), em equipes que atendem crimes contra o patrimônio (roubos, danos, furtos), laboratórios, entre outras. Portanto, um perito médico-veterinário poderá atuar na área que escolher”, enfatiza Lazzari de Lima.

O perito criminal oficial destaca ainda que, no início de 2022, houve a criação de uma equipe responsável pelo atendimento de crimes de maus-tratos a animais, na Capital paulista, que, devido à necessidade de conhecimentos específicos, é composta apenas por peritos com formação em Medicina Veterinária.

“O problema é que são poucos os médicos-veterinários que almejam trabalhar na perícia criminal, talvez por desconhecerem a carreira, e mesmo aqueles que são peritos, muitas vezes, optam por atuar em outras áreas. Assim, posso dizer que, hoje, temos um deficit de médicos-veterinários peritos criminais. E, mesmo atuando na Capital, costumo receber casos de cidades do interior, especialmente, quando o Ministério Público (MP) requisita um exame mais detalhado, pois não há médicos-veterinários peritos nessas regiões”, afirma o integrante da Comissão de Medicina Veterinária Legal do CRMV-SP.

Abordagens em casos de suspeita de maus-tratos:

  • avaliar clinicamente os animais;
  • verificar se o local é adequado para a espécie;
  • avaliar a qualidade do alimento oferecido;
  • verificar se há enriquecimento ambiental.
Poucos médicos-veterinários almejam trabalhar na perícia criminal, talvez por desconhecerem a carreira (Foto: reprodução)

Teoria do elo

A Teoria do Elo mostra que a ocorrência de maus-tratos aos animais pode ser sinal de problemas no ambiente familiar e que o ideal é uma atuação multiprofissional. Especificamente, o perito médico-veterinário tem um papel muito importante na identificação de casos relacionados a essa forma de violência.

“O médico-veterinário tem um papel muito amplo neste tipo de situação, já que vários casos podem ocorrer sem a notificação de autoridade policial e o profissional pode ser o primeiro a perceber este tipo de situação, ainda no consultório, ou durante uma fiscalização municipal, por exemplo. É importante, em uma situação como essa, documentar o caso e proceder a denúncia para que outros profissionais possam ser acionados e também, se houver necessidade, haja a remoção do animal com autorização judicial”, ressalta e médica-veterinária Tália Missen Tremori, presidente Comissão de Medicina Veterinária Legal do CRMV-SP.

Por outro lado, Lazzari de Lima destaca que, nesses casos, geralmente, ainda é primeiro identificado um crime como homicídio, violência doméstica, e, posteriormente, com base no histórico do autor, é constatado que ele já havia cometido o crime de maus-tratos contra animais.

“Logo, não é comum que seja solicitada uma perícia específica a um médico-veterinário, a menos que no local ainda existam animais vitimados. Já tive um caso, onde o MP pediu que eu fizesse uma avaliação de um réu pelo crime de maus-tratos, questionando se ele poderia cometer outros crimes violentos no futuro. Evidentemente, isso foge à minha atribuição e aos meus conhecimentos, sendo assim, expliquei que esse tipo de avaliação deveria ser solicitado à um médico ou psicólogo. É preciso deixar nossas emoções de lado e atuar de forma técnica e imparcial”, enfatiza o perito criminal.

Acumulação de animais

Problema multifatorial, a acumulação de animais pode colocar em risco os três pilares da Saúde Única, por isso, a atuação do perito criminal médico-veterinário ao diagnosticar a saúde dos animais envolvidos e as consequências do manejo inadequado é essencial.

Lazzari de Lima considera esse um dos casos mais difíceis de lidar, pois o acumulador é uma pessoa que tem um problema psicológico, mas completamente diferente de um agressor. Certa vez, perguntou a um acumulador por que fazia aquilo e a resposta foi que ele não conseguia ver um animal abandonado na rua e não levá-lo para casa. Quando avaliou o local, evidentemente, havia condições de maus-tratos, pois o ambiente estava sujo e os animais doentes, mas o que chamava a atenção é que o acumulador comprava ração, colocava caixas de areia para gatos, além de brinquedos, ou seja, o desejo do autor não era prejudicar e sim proteger aqueles animais, dentro do que ele achava estar correto e possível.

“O que fazer nesses casos? O meu laudo poderia levá-lo a uma punição, inclusive prisão, com base na nova legislação. Conversei com uma especialista em maus-tratos a crianças, que me explicou que não era incomum atender situações onde a criança comia alimento estragado, estava doente, mas os responsáveis estavam na mesma situação, ou seja, não havia dolo, mas sua função ali era verificar as condições da criança e deixar que o Judiciário decidisse o que fazer. Hoje, é assim que atuo, respondo o que me foi perguntado, indico que os animais estão em maus-tratos, deixando a emoção de lado, mas sempre cito que as condições eram as mesmas para o autor, para mostrar ao MP e ao juiz que não havia a intenção de cometer o crime”, ressalta o perito.

Para Tália, a acumulação de animais é também um problema multiprofissional, sendo que o médico-veterinário tem competência para atender somente os animais, porém, na maioria das vezes, há problemáticas de ordem psicossocial que necessitam, inclusive, de apoio do serviço público. “Existe a perícia neste tipo de situação, existem os programas de controle de zoonoses, controle populacional, até a reabilitação e adoção destes animais, mas cada caso é particular e deve ser estudado, separadamente, por profissionais capacitados na área de Medicina Veterinária do Coletivo, principalmente, que, sem dúvida, fará uma interface com a Medicina Veterinária Legal.”

Ampliar e aprimorar o trabalho dos peritos médicos-veterinários passa, certamente, pela necessidade de políticas públicas (Foto: reprodução)

Instituto de Criminalística Veterinário

Atualmente, há um movimento para aprimorar cada vez mais a investigação de crimes envolvendo animais e como consequência aumenta a necessidade da atuação dos peritos médicos-veterinários no IC, com a possibilidade, inclusive, de criação do Instituto de Criminalística Veterinário em São Paulo.

“Poderia dizer que a Medicina Veterinária Legal é uma das áreas que mais vem crescendo, dentro da perícia criminal, e, como dito anteriormente, temos um deficit de médicos-veterinários. O aprimoramento das leis, o fato de muitos políticos utilizarem o tema como bandeira durante as eleições, chama a atenção da população e, então, aumenta o número de casos que chega à polícia. Não que tenhamos mais crimes de maus-tratos ocorrendo, mas sim porque as pessoas passaram a prestar mais atenção aos seus vizinhos”, afirma Lazzari de Lima.

O perito lembra ainda que alguns estados, como Minas Gerais, já criaram IMLs veterinários e, em breve, haverá grandes novidades em São Paulo, mas ressalta que esse cenário abre oportunidades para o outro lado, a defesa. “Se temos uma maior especialização de quem acusa (o Estado, com seus peritos criminais), serão necessários assistentes técnicos que apoiem a defesa.”

Tália destaca o projeto da criação do Núcleo de Medicina Veterinária Forense, uma parceria envolvendo universidades públicas do estado de São Paulo, no primeiro momento com a Universidade de São Paulo (USP), campus Butantã, como uma demanda da sociedade, que cobra do poder público respostas eficazes de crimes envolvendo animais.

“Somente com a perícia médica-veterinária é possível produzir provas robustas e que preservarão a cadeia de custódia para garantir a continuidade dos processos investigativos. Esse cenário é promissor para o médico-veterinário que deseja atuar na área, não somente no estado de São Paulo. O avanço deste tipo de serviço especializado é uma realidade brasileira, além disso, é a única forma de vermos a justiça avançar, concretamente, em prol dos animais”, afirma a presidente da Comissão Técnica de Medicina Veterinária Legal do CRMV-SP.

Avaliar clinicamente os animais e verificar se o local é adequado para a espécie são algumas das funções dos peritos veterinários em casos de denúncias
(Foto: reprodução)

Medicina Veterinária Legal

A Comissão Técnica de Medicina Veterinária Legal do CRMV-SP atua para o reconhecimento da importância do perito médico-veterinário em casos que envolvam animais. Tália ressalta que a Comissão visa estabelecer um contato com a diretoria do IC de forma a fornecer conhecimento técnico-científico para a equipe pericial quando solicitado, ministrando formações e treinamentos e buscando demonstrar a importância da atuação do médico-veterinário no contexto pericial.

“Com o apoio e respaldo da diretora do CRMV-SP, nossa comissão tem como objetivos principais fortalecer, no âmbito criminal, a importância de a perícia médica-veterinária ser realizada por médicos-veterinários e de estimular o desenvolvimento de órgãos que possam atender estas demandas, pensando no bem-estar animal e Saúde Única como um todo”, afirma a presidente.

Conheça a Comissão de Medicina Veterinária Legal do CRMV-SP

Políticas públicas

Ampliar e aprimorar o trabalho dos peritos médicos-veterinários passa, certamente, pela necessidade de políticas públicas. Lazzari de Lima, que já teve a oportunidade de conversar com deputados e vereadores a respeito, conta que um enorme gargalo que há, atualmente, é para onde enviar os animais vitimados.

“Dependemos muito das ONGs, as quais já estão com sua capacidade no limite. Não é incomum o animal permanecer com o agressor, até a conclusão do processo. Então, um ponto fundamental é a construção de locais para onde esses animais possam ser deslocados. Também precisamos de um sistema de proteção ao médico-veterinário, pois esse profissional, muitas vezes, é o responsável por reconhecer a ocorrência do crime. O problema é que ao denunciar, ele pode sofrer algum tipo de retaliação por parte do autor, então é algo a ser aprimorado. Por fim, precisamos de IMLs veterinários e laboratórios especializados, especialmente para a realização de exames toxicológicos”, argumenta Lazzari de Lima.

O perito é integrante da Comissão de Medicina Veterinária Forense do IC-SP, que é responsável por estabelecer protocolos de atendimento aos crimes de maus-tratos a animais. “Exatamente por não haver médicos-veterinários suficientes dentro do IC, precisamos estabelecer critérios mínimos que possam ser abordados por peritos que não sejam da área, para que, posteriormente, seja possível um laudo complementar feito por um médico-veterinário”, explica.

Dicas ao se deparar com maus-tratos na rotina médica

  • Denunciar qualquer tipo de situação criminal ou suspeita de crime às autoridades competentes (Polícia Civil de São Paulo, Ministério Público ou delegacias especializadas do Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania – DPPC);
  • Documentar a situação detalhadamente no prontuário de atendimento do animal;
  • Caso possível, fazer uma análise inicial (exame de corpo de delito) que pode auxiliar na investigação de um litígio.

Fonte: CRMV-SP, adaptado pela equipe Cães e Gatos VET FOOD.

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