Cláudia Guimarães, de Salto de Pirapora (SP)
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Com o objetivo de ajudar a construir um mundo mais consciente e acolhedor para pessoas com deficiência visual, o Instituto Adimax surgiu em 2015 e lançou o Projeto Cão-Guia. Estes animais, apesar de serem “fofos”, até porque são de uma raça linda, que é Labrador, recebem cuidados, treinos e tratamento diferenciados, já que são cães de serviço.
Na prática o cão-guia é a ferramenta capaz de minimizar as dificuldades que uma pessoa com deficiência visual pode encontrar no dia a dia e esse trabalho realizado pelo Instituto Adimax é de grande valia, considerando que o Brasil possui, aproximadamente, sete milhões de pessoas com alguma deficiência visual, segundo o IBGE, e menos de 200 cães-guias em atividade.
Conversamos com o instrutor de cão-guia do Instituto, Gustavo Ferraz, que realiza esse trabalho há cinco anos por lá. Ele conta que os treinadores possuem uma rotina bastante diversificada com os animais. “Eu supervisiono os cães após a fase de socialização. Posteriormente, eles retornam da socialização e, então, começam o treinamento específico. Esta etapa é onde os instrutores entram em cena para iniciar nossa tarefa principal, que é direcionar os cães a se tornarem cães-guia”, narra.
Dia a dia de treinamento
Inicialmente, Ferraz declara que os instrutores buscam os cães no canil e começam o trabalho na parte interna do Instituto. “Isso envolve fazer passeios e mostrar a eles o que desejamos que compreendam. Por exemplo, nosso objetivo é ensiná-los a caminhar na calçada, para que compreendam que é nela que devem andar; mostramos como devem obedecer à guia, virar à direita e à esquerda, entre outros comandos”, descreve.
Segundo ele, a fase interna é adequada para isso, pois possui poucas distrações e os cães já estão familiarizados com o ambiente. “Começamos o treinamento por aqui, ensinando os conceitos básicos de forma lúdica, como se fosse um jogo. Dessa maneira, os ensinamos enquanto brincam, recompensando-os com afeto e petiscos sempre que acertam e ignorando quando erram algum comando. Gradualmente, o treinamento se expande para o ambiente externo, onde se torna um pouco mais desafiador”, destaca.
Ferraz revela que a fase externa do treinamento introduz mais elementos de distração, e os instrutores começam a responsabilizar os cães. “Inicialmente, essa etapa era tratada de forma mais lúdica, mas, agora, passamos a nos comunicar com eles de maneira mais séria, dizendo coisas como ‘você já sabe como parar na guia’ e ‘você já sabe como virar à direita e à esquerda’. Ou seja, as habilidades que ensinamos anteriormente no ambiente interno, como desviar de obstáculos, são testadas na realidade da rua”, explica.
Nesse ponto, o instrutor diz que começam a soltar os cães para que executem as ações sem receber tantas instruções. “Observamos o comportamento deles e suas expressões faciais para determinar se estão confortáveis com a situação. Essa fase ocorre, principalmente, no ambiente externo e é assim que o treinamento progride. Essa etapa representa a fase final do treinamento, antes que os cães sejam atribuídos a uma pessoa com deficiência”, adiciona.
Normalmente, de acordo com o instrutor, esse treinamento dura cerca de quatro a cinco meses e, inicialmente, é realizado em bairros mais tranquilos, depois, em bairros mais movimentados e, por fim, no centro da cidade. “Também fazemos viagens para lugares como São Paulo, para expor os cães a ambientes diferentes, como o metrô. Esse período é desafiador, mas à medida em que avançamos, os cães ficam preparados”, garante.
Parceria perfeita
Ao mesmo tempo em que os cães são treinados, os instrutores também avaliam os candidatos com deficiência. “Mantemos um registro detalhado de cada cão na instituição e temos um contato diário com eles, o que nos permite conhecer bem seus perfis. Isso nos ajuda a combinar, adequadamente, um cão com um candidato, levando em consideração fatores como velocidade, nível de agitação, aptidão para viver em uma cidade grande ou menor e como reagem à presença de outros cães”, expõe.
Ao conhecer a pessoa, a equipe avalia sua velocidade, isto é, seu ritmo de deslocamento, se é baixo, médio ou alto. Com base nisso, é selecionado um cachorro que compartilhe o mesmo nível. Neste processo, também é considerado se a pessoa aprecia demonstrações de afeto por parte do cachorro. “Por exemplo, alguns cães ficam felizes com apenas simples afagos, enquanto outros preferem brincadeiras e muitos carinhos. Portanto, adaptamos a escolha do cão de acordo com o perfil da pessoa. Este é um dos muitos aspectos que analisamos para formar uma dupla perfeita, trabalhando para fazer isso da melhor maneira possível”, compartilha.
Ferraz indica que essa abordagem funciona como um filtro que ajuda a minimizar possíveis incompatibilidades. “Quando – o que é raro – um usuário não se acostuma com um cão, fazemos uma nova adaptação com outro animal. Mas, quando tudo é feito corretamente, a probabilidade de erro é bastante baixa, desde que a pessoa se dedique ao processo. Normalmente, passamos cerca de 15 dias no hotel do Instituto com o deficiente, realizando um treinamento rigoroso que ocorre diariamente, das 6h às 22h”, expõe.
Após esses 15 dias na estrutura do Instituto, a equipe avança para a próxima etapa, que envolve a imersão na realidade do usuário. “Passamos um período com eles, acompanhando-os em suas rotas principais, como o trajeto de casa para a faculdade ou para a padaria, identificando as necessidades específicas de cada pessoa. Durante esse período, garantimos a segurança das rotas e permitimos que os cães continuem treinando”, informa.
Papel fundamental
À medida que o treinamento prossegue, os instrutores realizam visitas regulares de acompanhamento. “Começamos com visitas mensais, passamos para semestrais e, por fim, fazemos visitas anuais, que continuam até a aposentadoria do cão-guia. Essas visitas são fundamentais para garantir que tanto o cão quanto o usuário estejam em boas condições e que tudo esteja de acordo com os padrões estabelecidos”, assegura.
Além disso, segundo Ferraz, é importante mencionar que os instrutores também passam por um processo de capacitação para desempenhar essa função. “No meu caso, comecei como adestrador de cães, trabalhando com os cães Magnus, que são parte da campanha publicitária da marca. Em seguida, vim para o Instituto e passei por um treinamento imersivo que durou quatro anos. Durante esse período, adquiri conhecimentos observando os instrutores treinando os cães e, posteriormente, aprendendo a treinar os cães em conjunto com as pessoas. Portanto, além de treinar os cães, também é necessário treinar as pessoas, o que demanda tempo e dedicação, mas é um processo que se mostra fundamental para o sucesso do programa”, garante.
Todo o trabalho desempenhado é feito com amor e dedicação, sendo possível perceber a emoção no olhar, na fala e nos gestos desses colaboradores. “Temos grande satisfação em realizar esse trabalho. Costumamos afirmar que o próprio cão é quem decide se será um cão-guia ou não. Proporcionamos oportunidades aos cães, explicamos o que esperamos deles e avaliamos se estão confortáveis com essa situação. Se percebemos que um cão possui o perfil adequado para o trabalho de guia, é essa a função que ele desempenhará. Conversamos com ele, perguntamos se gosta da ideia, se está entusiasmado e disposto. Se, por acaso, o cão demonstrar que não deseja seguir esse caminho, respeitamos sua escolha”, salienta.
Caso sejam identificados sinais de estresse no cão ou comportamentos inadequados, Ferraz afirma que eles têm total liberdade para sugerir outra função, como ser um animal de estimação, um cão farejador ou um cão de assistência. “O trabalho de cão-guia é, sem dúvida, um dos mais exigentes no mundo canino, comparável à Fórmula 1, pois requer um alto nível de equilíbrio e um perfil específico. É importante destacar que nem todos os cães se encaixam nesse papel. No Instituto, a taxa de sucesso é de cerca de 60%, o que significa que, aproximadamente, metade dos cães não se tornam cães-guia. Essa estatística reflete nossa abordagem de oferecer oportunidades e permitir que os cães escolham o caminho que desejam seguir”, finaliza.
Comemoração
No dia 28 de setembro, o Instituto Adimax comemora 5 anos de atividade e, para o gerente Geral do Instituto, Thiago Pereira, esse é um motivo de grande alegria para todos os envolvidos, por alcançar esta marca, com a instituição em contínuo crescimento e desenvolvimento. “A cada dia, expandimos nossas atividades. Em agosto, recebemos mais de 600 visitantes. Nossas visitas são abertas ao público em geral, o que representa um número significativo de pessoas que participam do mesmo tour”, menciona.
Essa experiência citada pelo executivo trata-se de um trajeto que os visitantes fazem com venda nos olhos. Durante o percurso, há diferentes obstáculos a serem ultrapassados, o que simula a realidade dos deficientes visuais.
Pereira conta que a equipe sempre busca fazer coisas que não geram muito custo, por se tratar de uma ONG, mas haverá programação especial e comemorativa. “No dia 28 de setembro, vamos receber a psicóloga Walquíria Ramires, que apresentará a palestra “Que amor é esse?” para as famílias socializadoras, que são parte importantes no processo de treinamento dos cães.
Já no dia 30 de setembro, o Instituto convida seus usuários de cães-guia para uma roda de conversa com a equipe técnica e a equipe de saúde, juntamente com uma atividade de soltura com os cães. “Nesse evento, também apresentaremos a integração do Instituto Adimax com outros programas sociais, uma mudança que ocorreu recentemente, em abril, como parte de nossa estratégia de amadurecimento”, encerra.