O jornalista Iberê Thenório, criador do canal “Manual do Mundo”, teve a quem puxar. Seu pai, Edélcio, trabalha há 26 anos como entalhador na cidade de Piedade, a 127 km de São Paulo. É uma profissão quase em extinção. No Brasil, desde o Império, tem-se o costume de usar placas de madeira com nomes de engenhos e fazendas entalhados. Piedade é a cidade natal de Ângela, mulher de Edélcio. Ele passou num concurso do Banco do Brasil e trabalhou na agência de lá.
Iberê tinha apenas 11 anos quando começou a ajudar o pai, em 1992. “Trabalhei cinco anos entalhando placas com ele”, contou Iberê ao Blog do Curioso. “Foi uma época em que aprendi muito a mexer com as coisas. A gente cortava madeira na serra, endireitava na plaina, entalhava com faca, formão e tupia. Usava furadeira, lixadeira, compressor para pintar… E quando essas ferramentas quebravam, a gente abria e tentava consertar. Se hoje eu tenho alguma habilidade pra montar minhas engenhocas, grande parte veio dessa época”. Os pedaços de madeira entalhados durante a semana eram vendidos na vizinha Ibiúna nos sábados. “Ainda não havia internet, então íamos nas chácaras, sítios e condomínios, todos potenciais clientes”, explica Edélcio. “Ali nosso serviço era muito solicitado”.
A empresa ganhou o sugestivo nome de Pica Pau Entalhes. Todos os dias, Edélcio, 64 anos, prepara a madeira, afia as ferramentas e dá acabamento com vernizes e tintas. O que leva mais tempo é o processo de criação. O artista reveza entre o uso de lápis e borracha e o photoshop. “Recebo muitas encomendas diferentes, isso ajuda a fugir da rotina”, agradece. O único problema é que elas não são constantes – às vezes precisa fazer 10 trabalhos em apenas uma semana, enquanto na outra não aparece nenhum.
Os maiores orgulhos de Edélcio são os brasões de família que faz em madeira. De heráldica, ele não é especialista. Mas sabe o suficiente para não errar no desenho dos brasões. Medem 50 x 30 centímetros e os de famílias mais tradicionais podem ser vistos no site. Eu encontrei o da Família Duarte.
Faz também escudos de times de futebol e placas comerciais. Dependendo do grau de dificuldade, o trabalho toma meia hora (uma plaquinha de churrasqueira), mas pode levar até quatro dias, caso de uma placa para o portal de um hotel. “Gostamos de trabalhar assim: inventando”, orgulha-se Edélcio. “E, quando você gosta de um serviço, ele passa a ser lazer”.
Ainda criança, Iberê chegou a construir uma tirolesa no quintal de casa. Esticou uma corda entre duas árvores e colocou um cano que deslizava com a corda dentro. Chamou a invenção de “teleférico”. “Muitas crianças vinham para descer por essa tirolesa”, conta Edélcio. “Quem ficava esticando a corda era eu”. Iberê seguiu seu caminho. Plantou rabanetes, foi garçom num bar que faliu, fez jornalismo e criou o “Manual do Mundo” em 2008, canal que ultrapassou a marca de 6 milhões de fãs. “Pena que eu não tive um manual desses na minha infância”, corujeia o pai.