Por 16 votos a 10, Marco Temporal é aprovado na CCJ do Senado
Na contramão das decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal aprovou, nesta quarta-feira (27/9), um Projeto de Lei (PL 2.903/2023) que estabelece o chamado Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. Esse movimento político gerou debates intensos e continua a levantar polêmicas sobre os desdobramentos.
O Marco Temporal e a controvérsia
O Marco Temporal, em termos simples, estabelece que apenas as terras indígenas ocupadas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, podem ser oficialmente demarcadas. Isso significa que terras que não eram habitadas por comunidades indígenas naquela data ou que não estavam envolvidas em disputas de posse não podem ser reconhecidas como territórios indígenas.
A justificativa para essa abordagem é que ela oferece “paz e segurança” tanto para populações indígenas quanto não indígenas, especialmente nas áreas rurais. A ideia é encerrar as controvérsias sobre quais terras devem ser consideradas indígenas, criando um critério claro e histórico. Além disso, o projeto de lei ressalta que exceções seriam feitas para terras onde a falta de ocupação em 1988 foi devido a conflitos e desapropriações forçadas.
A visão do Relator e os debates
O relator do projeto de lei, senador Marcos Rogério, enfatiza que essa abordagem não está buscando legitimar a violência contra populações indígenas, mas sim fornecer uma estrutura legal clara para a demarcação de terras. Ele argumenta que, após 35 anos da promulgação da Constituição, é necessário encerrar as discussões em torno da qualificação de terras como indígenas, pois isso coloca em risco a subsistência e a segurança de famílias inteiras.
“Com sua aprovação, finalmente, o Congresso Nacional trará segurança e paz às populações indígenas e não indígenas, especialmente do campo. Não se pode aceitar que, 35 anos após a entrada em vigor da Constituição, ainda haja celeuma sobre a qualificação de determinada terra como indígena, gerando riscos à subsistência e à incolumidade física de famílias inteiras”, relatou.
O senador também destaca que o próprio projeto exclui da aplicação do Marco Temporal terras que não foram ocupadas em 1988 devido a conflitos persistentes com comunidades indígenas.
“Vale lembrar, a propósito, que o próprio PL excepciona da questão do marco temporal as terras que só não estavam ocupadas em 1988 por conta de renitente esbulho praticado contra comunidades indígenas, de maneira que cai por terra a ilegítima acusação de que se estaria buscando aqui legitimar ou acobertar qualquer tipo de violência contra a população indígena. Estabelecida a constitucionalidade da chamada tese do Marco Temporal, vale analisar também a compatibilidade formal e material com a Constituição de outros dispositivos que geraram ou podem gerar discussão.”
A divergência entre o Senado e o STF
A aprovação do projeto de lei da CCJ do Senado está em contradição com a decisão recente do STF. Em uma votação de 9 a 2, os ministros do Supremo rejeitaram a tese jurídica de que os povos indígenas têm direito apenas às terras que ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988. Esta decisão foi vista como uma vitória pelos defensores dos direitos indígenas e uma rejeição à abordagem do Marco Temporal.
A posição dos Povos Indígenas
No entanto, líderes e representantes de povos indígenas veem a questão de forma bastante diferente. Eles argumentam que o Marco Temporal contradiz a Constituição Federal, que reconhece os direitos indígenas como direitos originários, ou seja, direitos que existem desde antes da formação do Estado brasileiro. Segundo eles, essa abordagem comprometeria a proteção dos territórios tradicionais e ameaçaria as comunidades indígenas que dependem dessas terras para sua sobrevivência física e cultural.
Agora, o Projeto de Lei segue para o plenário do Senado Federal, onde será debatido e votado. Enquanto isso, o STF também está considerando como aplicar as regras de demarcação de terras, incluindo questões como pagamento de indenizações, responsabilidade do poder público e a possível expansão de áreas indígenas.
Vamos continuar acompanhado os desdobramentos.
Por Vicente Delgado – AGRONEWS®